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Medo

Agora mesmo fiquei com medo de escrever um texto no Whatsapp para um amigo. Nem é a primeira vez que isso acontece. Ontem, planejando uma viagem, tive medo da polícia de fronteira e imigração na volta. Porque a cor da minha pele, o sotaque na minha fala, e o meu nome, todos indicam que devo ser ilegal, estrangeiro, ou, no mínimo, indesejável.

Há duas semanas, aconselhei uma aluna a tirar do seu currículo qualquer referência ao seu trabalho voluntario ajudando minorias, e ao fato de que ela dança como esporte, arte e paixão. Fiquei arrasado de ver a tristeza no seu rosto, mas ela entendeu e aceitou. Além de ser mulher, hispânica, e com nome difícil de soletrar, tudo virou contra ela num período de oito semanas. Tenho medo do que vai acontecer quando o seu idealismo se defrontar com a arrogância e a estupidez das novas classes dominantes que gostam de chapeuzinho vermelho.

Nos jornais leio que querem acabar com o “jus soli”, ou o direito de quem nasce aqui ser cidadão daqui. Desde pequeno achava que tinha esse direito, e por isso um dia vim recomeçar a vida nesse lugar que eu acreditava ser meu chão também e onde me quereriam. Hoje, em vez de uma pessoa, somos três gerações e treze lugares na mesa no Dia de Ação de Graças. Mas tenho acordado no meio da noite pensando se foi boa ideia ter vindo para cá.

Outono da Liberdade, Primavera do Medo (Foto CAMS.)

Parece que de repente passamos para outra dimensão, uma zona de penumbra, onde tudo que eu tinha aprendido ser bom ficou ruim e vice-versa. Inimigos históricos viraram amigos e vice-versa. O que era para ser sonho virou pesadelo. Para onde foi o equilíbrio entre os poderes? Para onde o valor da honra e do respeito às leis? Para onde o princípio de que as questões devem ser resolvidas em debate franco e justo sem que bilionários comprem qualquer resultado que lhes interesse? Tenho medo de que dessa dimensão bizarra e escura em que mergulhamos não tenha mais volta.

Mas, pensando bem, eu não deveria estar surpreso. Pois para grande parte da população do planeta a vida é mesmo repleta de noites sem sono, dias sem esperança, e de medo. Nas zonas de guerra, nos países sob ditaduras brutais, nas favelas miseráveis, entre as minorias sem voz, e entre os povos nativos até hoje sendo expulsos de suas terras: Medo.

E agora também nas ruas da cidade onde eu moro.